A pecuária brasileira segue a lei da conservação de massa de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Do boi nada se perde ou é descartado como lixo. São dezenas de destinos industriais. Tudo é recuperado: cascos, pelos, vísceras, ossos, sangue, chifres, couro, sebo e gorduras. Além da carne, é claro.

E nem só de subprodutos de origem bovina vive a indústria da reciclagem animal. O Brasil abate por ano mais de 6 bilhões de frangos. Quase um frango para cada habitante do planeta. Em média, de cada frango abatido, 28% não são utilizados no consumo humano. 

Penas, vísceras, cabeças, unhas e outros resíduos são matéria-prima para a indústria de reciclagem animal e transformados em farinhas, ração e óleos de origem animal. O mesmo ocorre com os resíduos de 53 milhões de suínos abatidos por ano e com cerca de 850.000 toneladas de peixes (vísceras e escamas).

A gordura e o sebo bovino, por exemplo, entram na fabricação industrial de chicletes, velas, detergentes, amaciantes de roupas, desodorantes, espumas de barbear, giz de cera, perfumes e cosméticos, cremes e loções, pinturas, vernizes, impermeabilizantes, cimentos, cerâmicas, plásticos, explosivos, fogos de artifício, fósforos, fertilizantes, anticongelantes, isolantes, linóleos, borrachas, têxteis, medicamentos, óleos, lubrificantes e biodiesel.

Do biodiesel presente nas bombas dos postos, abastecendo carros, ônibus, utilitários e tratores, cerca de 20% são produzidos a partir de sebo bovino. O resto vem essencialmente do óleo de soja. Boa parte dos frigoríficos brasileiros possui unidades produtoras de biodiesel. É um combustível renovável, sem compostos sulfurados (não contribui para chuva ácida) ou aromáticos (tóxicos e cancerígenos), menos poluente e mais sustentável.

A indústria de reciclagem animal brasileira processa 100% dos resíduos de abate coletados de frigoríficos e açougues. São mais de 13 milhões de toneladas anuais. Eles dão origem a 5,6 milhões de toneladas de farinhas e gorduras, além de hemoderivados (hemoglobina e plasma em pó), aromatizantes e proteínas hidrolisadas, segundo a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra).

Esses produtos de alto valor nutricional são ingredientes em rações para suínos, aves, peixes, cães e gatos, aqui e no exterior. E, em parte, retornam ao sistema produtivo. A hemoglobina em pó, por exemplo, tem alta digestibilidade (95%), elevados níveis proteicos (87%) e excelentes teores de aminoácidos essenciais, como lisina, histidina, leucina e isoleucina. Envolvidos em diversos processos metabólicos, eles previnem a catarata em salmões na aquicultura. Com elevados níveis de ferro, a hemoglobina é totalmente misturável em água e atua como um potente palatabilizante em rações para suínos, cães, gatos, peixes e camarões.

Na agropecuária brasileira, resíduo não é lixo. É matéria-prima industrial e oportunidade de criação de novos produtos, gerando mais empregos e renda. É preciso e possível melhorar e avançar neste tema ambiental. Como na preservação da água e da vegetação nativa, o campo já tem muito a ensinar.

 

Por Evaristo de Miranda, doutor em Ecologia, chefe-geral da Embrapa Territorial e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA.

Fonte: Revista Oeste